sexta-feira, 29 de maio de 2015

Histórias

Já estou aqui, em Dolosie, à mais de três meses e já presenciei e ouvi histórias que não lembram a ninguém.

A mais recente história que ouvi passou-se com um colega meu em Ouesso, uma cidade do Norte.

Decorria um dia de trabalho normal. O barulho das máquinas enchia o escritório e a algazarra dos trabalhos nas proximidades quase disfarçava o som de gritos de mulher. O meu colega, ainda meio atordoado com o sono, levanta-se e vem até à porta do escritório.
Ao longe vislumbra um segurança que vem a correr na sua direcção. Mais atrás, há uma mulher de rastos que vem a ser pisada e pontapeada por um homem.
"O que se passa?" pergunta ele num francês inexperiente.
"Chef, Chef" diz o segurança meio esbaforido "Aquele homem quer falar consigo!"

"Pu#* x#% P@/&%!" exclama o meu colega, "O que é que foi agora?"
Durante todo o caminho, desde a guarita até ao escritório, ouve-se o choro e os gritos da mulher que é orientada, pelo seu acompanhante, à base do soco e do pontapé.

Quando finalmente chegam ao escritório, o homem cospe na cara da mulher e atira uma carteira para cima da mesa do Engenheiro. Este abre-a e vislumbra os documentos de um dos seus trabalhadores.

"O que se passa?" Pergunta ele a pensar que o colaborador está tramado.
"Diga ao seu homem, que da próxima vez que se #enrolar# com a minha mulher, que tenha cuidado. Esta #Vadia# roubou-lhe a carteira e uns 15 000 FCFA"
Disto isto, o homem vira as costas e saí, deixando o meu colega atónito e a mulher em prantos no chão"

Obviamente que as palavras entre # foram suavizadas para não ferir, ainda mais, a susceptibilidade dos leitores. Mas sim, a mentalidade destes homens ronda o primitivo. Praticamente não há grande respeito pelas mulheres.

Nesta localidade há uma lei, e ressalvo LEI, que diz que se a mulher for apanhada a trair o marido, este terá de ser indemnizado em cerca de 100 000FCFA.

Ok, estou a ser um bocado extremista. Também há leis que protegem as mulheres.
Como me explicou o nosso apontador, o Chris, depois de a mulher casar e ter filhos, se o marido não enviar dinheiro, todos os meses, para garantir a subsistência das crianças, a família da mulher deve intervir.
A mulher é retirada ao marido, laqueada, para não ter mais filhos, e os filhos nascidos ou ficam com ela ou são entregues a pessoas da família que estejam dispostos a tomar conta deles.
No entanto o marido pode reclamar as crianças. Nesse caso é feito um contrato que diz que ele pagará um valor mensal até as crianças deixarem de depender da mãe. Depois deste tempo as crianças passam a ser propriedade dele, sendo a mãe completamente proibida de ver os filhos.

É  de ficar sem palavras. Já tentei falar com alguns dos homens que trabalham comigo, mudar-lhes um pouco as ideias, mas é assustador a forma como eles têm estes princípios entranhados no cérebro.

Recentemente a base de vida onde eu vivo precisou de admitir um novo ajudante para a cozinha. Falei com o cozinheiro e propus uma mulher para este lugar.
"Uma Mulher?! Uma Mulher?! Nem pensar"
Inocentemente perguntei o motivo desta reacção.
"Uma mulher na cozinha é nojento. Elas tem o período, tu sabes o que é, também és uma. As mulheres não são boas para o trabalho. Na cozinha nem pensar"

"Sabes que as mulheres lavam-se, como vocês deviam fazer. A menstruação não é impeditiva de nada" Respondi eu meia indignada e com uma raivazinha a crescer no meu âmago.
"Lavam-se? As mulheres mexem no sangue, contaminam a cozinha e a comida e depois ainda chamam a atenção dos homens que trabalham aqui na obra. Uma mulher não!"
"Joel as mulheres são óptimas cozinheiras e trabalham muito bem. Quanto a essa situação, vocês tem um chuveiro para tomar banho. Se vires que a mulher cheira mal manda-a tomar banho."
"O trabalho das mulheres é em casa a tomar conta dos filhos"
"Joel, eu sou mulher e trabalho tão bem ou melhor que um homem"
"Mama Sarah, tu és como um homem, mas as mulheres Congolesas não são boas para o trabalho. Uma Mulher não!" e virou costas.

Conclusão, tive que contratar um homem.
Desde este dia que ando a controlar a intensidade dos cheiros dos homens e acreditem que nenhuma das mulheres de limpeza, que trabalham na base, cheira tão mal como os homens que tenho na cozinha. Só esta semana já pedi, ao cozinheiro, umas três vezes, e sem papas na língua, para ir tomar banho.

"Então Joel, depois as mulheres é que cheiram mal. Banho, Vitte!!" Digo eu em tom de provocação. Não aprende a bem vai provar do próprio remédio.

Perguntei ao nosso apontador se comia a comida da mulher quando ela estava menstruada. Sou curiosa, o que é que posso fazer.

"Comer comida de mulher menstruada?! Nunca! Quando mulher está menstruada o homem não come ou então come fora de casa!" Diz-me ele com a maior das normalidades.
"Em Portugal também é assim, não?" Pergunta ele de forma inocente.

Tentei explicar mas desisti. Ainda bem que não nasci aqui!










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