quarta-feira, 13 de maio de 2015

As pessoas


Os Congoleses em geral são pessoas pacíficas, simpáticas e muito educadas. No entanto todos têm na ideia de que o branco tem dinheiro. E efectivamente tem, tendo em conta o ordenado médio congolês.

Esta convenção faz com que seja praticamente impossível, a um branco, ir às compras ou até mesmo ao médico sozinho.

Há cerca de um mês recebemos um e-mail para pagar a patente do Hospital. Fomos, eu e o Davide, ao ministérios das finanças, com todos os documentos que nos deram para pagar o valor da patente 26 000 fcfa.
"Onde é essa merda?" Perguntei eu.
"Sei lá! Pergunta aí ao Chris, o apontador" Disse o Davide.

Perguntei. O que é certo é que fomos a quatro sítios diferentes e ainda arranjamos um "Guia" e só ao fim de algumas horas é que encontramos o edifício.

"Fuuu! Tanta volta e isto é aqui mesmo à beira da Discoteca!" Exclamou o Davide.

Entramos no edifício, escoltados pelo nosso guia. Falamos com o responsável pelo departamento e explicamos o que vínhamos fazer. Azar do caraças, nesse dia eu estava vestida com a camisola da Empresa Mãe do projecto, uma da maiores aqui no Congo.

Sou capaz de jurar que vi os cifrões nos olhos do homem quando me viu entrar.

Resultado. O homem queria mais meio milhão de francos para nos passar a patente. Tentámos explicar que a empresa em Brazaville já tinha pago todos os impostos inerentes à patente. Mas não valeu a pena.

Se disser que nos deslocamos ao ministério umas 10 vezes, não estou a mentir. Acabamos por desistir. Não vale a pena. Brazaville que resolva.

Se resolveu ou não, não sei. Mas que guardei um "ódiozinho" de estimação a este homem, guardei!

O "Guia" também queria ser indemnizado por ser retirado do trabalho para nos ajudar. O Davide enervado mandou-o dar uma volta ao bilhar grande.
"Tem calma!" Disse eu. Mas não vale a pena. Quem está cá há muito tempo acaba por perder a paciência.

Recentemente tive de ir ao hospital com um colaborador nosso que estava com uma conjuntivite.
Saímos em direcção ao hospital às 2h da manhã porque o colaborador estava desesperado, sem ver

Chegamos ao hospital e os enfermeiros estavam a dormir nos bancos e no chão. Dirigi-me à recepção, com o Orlando no meu encalço, uma vez que estava de tal forma atacado que precisava que o guiasse para se conseguir orientar.

Na recepção havia dois colchões de ar com 6 homens lá deitados.
"Monseur" Disse eu, "Monseur".

Um dos homens acordou meio estremunhado. Viu-me e levantou-se.
"Mon amie, il é malade!" Disse eu.

O homen olhou para o relógio como a dizer: "A estas horas!".
Encolhi os ombros.
A resmungar, contornou o balcão e acordou uma das enfermeiras que estava a dormir no chão. Ela levantou-se, olhou para o relógio e disse: "O que se passa?"
"O meu amigo está com uma conjuntivite. Pode ajuda-lo?"

Entramos nas urgências e o meu colega foi posto a soro. "Soro para uma conjuntivite?!" Pensei eu.
Ok, sempre a aprender.

Passados 5 minutos é-me entregue uma lista de medicamentos e dizem-me para ir à farmácia.
"Farmácia?! Onde é essa merda!"
Aos apalpões, na penumbra, tentei orientar-me pelo hospital. O chão estava todo sujo, as paredes viscosas... "O que é isto? É melhor nem pensar".

Encontrei finalmente a farmácia. Bati à porta. Do Outro lado havia alguém a ressonar.
Bati novamente e veio uma enfermeira bastante volumosa à porta. Olhou para mim, com ar de desprezo, pegou na lista que trazia nas mãos e fechou.me a porta na cara.
Esperei 5 minutos e ela voltou com uma fatura de 10 000 fcfa para pagar.

"Foda"#$! O dinheiro... Esqueci-me dessa merda!"
Apalpei os bolsos. Não sei como encontrei um 10 000 fcfa.
Paguei. Os medicamentos surgiram pela abertura da porta 2 minutos depois.

Voltei à urgência e entreguei os medicamentos.
Quando os começo a analisar vejo medicamentos para a gripe, anti-histaminicos, mais soro...

"Nunca mais saio daqui!" Pensei eu.

Uma hora volvida e é-me entregue outra lista de medicamentos.
"Orlando, tens dinheiro aí?" pergunto eu.
"No bolso" Responde-me ele já meio a dormir.

Consegui tirar uma nota de 5 mil e pensei, "Deve chegar".
Dirigi-me novamente à farmácia e já ouvia o roncar da enfermeira ao longe. Bati à porta!
"Putain!!" Ouvi de lá de dentro.

Os medicamentos foram-me atirados pela porta. Nem paguei...Óptimo!

Foi feito o tratamento com gotas e gel lubrificante. Passada uma hora o Orlando já conseguia a abrir os olhos.

No meu desespero deu-me para analisar os medicamentos. Estava a ler a posologia dos medicamentos quando encontrei um medicamento para as hemorróidas!

Passei-me. "Ouça lá, Você está a gozar comigo?" disse eu à enfermeira, meio em Francês meio em Português.
"Hemorróidas?! Enganou-se no olho! Só pode"

A enfermeira tentou dar-me a volta dizendo que o composto farmacêutico era idêntico...
Mandei-a àquele sítio. "Vocês só nos querem é comer dinheiro! Bestas!"

"Vocês devem achar que nós somos burros ou o caraças. Eu não enfermeira nem médica, mas estudei e percebo minimamente do assunto."

Chateada, acordei o Orlando e dirigi-me à recepção para pedir fatura . O recepcionista, apercebeu-se da discussão nas urgências e do meu ar chateado e nem se deu ao trabalho de cobrar a consulta. Passou a fatura e saímos.

.....



Hospital de Dolisie

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