quarta-feira, 24 de junho de 2015

A despedida de Dolisie

Por muito que me custe admitir, e por muito que eu adore o Congo, ao fim de seis meses a minha cabeça estava a explodir.
O clima tenso do País tinha-nos limitado as saídas. Os trabalhadores, com medo da rebelião que se aproximava, começaram a ficar mais agressivos e menos trabalhadores.
A logistica de entrega dos materiais estava a falhar, o trabalho disponível não era muito e o que havia estavam todas as obras a fazer sendo que o equipamento não chegava para todos.
Stress atrás de stress. 
No meio de tudo isto ainda houve um choque entre mim e o meu colega, que já estávamos fartos um dos outro.

Engoli o meu orgulho e liguei para Brazaville:

- Por favor, tirem-me daqui. Não consigo mais, não aguento, não dá.

As minhas férias ainda estava longe, estavam previstas só para Setembro e estávamos em Junho.

- Sara, não a podemos tirar assim. Temos que ver alguém para a substituir - disseram dos recursos humanos, e com razão.

Esperei e desesperei. O meu único escape à obra eram o indianos do Regal, um supermercado de Dolisie, que me vinham buscar depois do trabalho para ir beber uma coca-cola ao café do Ali, Libanês.
Tinha três amigos fora da obra que me ajudavam a superar algum do stress mas ainda assim não era suficiente.

Quando finalmente me ligaram, um mês depois, fui a correr comprar o bilhete para Brazaville. Para o dia em que ia já só havia bilhetes de primeira classe.

- Daniel, só há primeira classe. Posso comprar? - perguntei eu.
- É muito mais caro?- ouvi do outro lado.
- Não, são mais 4000fcfa. (8 euros).
- Ok, compra dois. Uma para ti e outro para o Mika que vai de férias.
- Certo! - disse eu a suspirar de alívio.

Cheguei à obra em euforia.

 - Mama, já não te via assim à muito tempo! - disse o segurança no portão da obra.
- Vou-me embora!! - disse eu.
- E quando vens de férias? - perguntou ele a sorrir.
- Não volto - disse eu.

O sorriso dele fechou-se e caiu-me a ficha. Nunca mais volto. Nunca mais os vou ver. E as roupas que eu disse que lhes dava, e as cervejas que eles me estavam a dever.
Fiquei assim, neste dilema.

O dia da viagem chegou e mesmo antes de partir, a maior parte dos meus trabalhadores fez questão de se vir despedir de mim, e eu deles.


As minhas mamãs - Martine, esquerda, Raissa e Pangou, à direita.

O Makela, o manobrador também se veio despedir da mamã.

O Youmbi, o motorista, e o grupo de pichelaria.


Mampassi, Mbani, Bamsimba e o Youmbi



Todos os picheleiros

Os cozinheiros e o meu motorista Makita.
Sai da obra na carrinha, com os olhos em lágrimas. Os trabalhadores portugueses: O Carvalho, o Angelo, o Tony e outros tantos despediram-se de mim pela manhã, antes de irem para o trabalho. Não quis passar na obra, sabia que me ia custar.
Estava a deixar para trás tudo aquilo que sempre quisera. Tudo pelo que tinha lutado.
Mas já não conseguia mais. Os 8 meses que me pediram para fazer seguidos pareciam impossíveis.

Cheguei ao aeroporto e fui recebida pelo Tsama e pelo chefe do aeroporto. Todos me vieram cumprimentar.


- A mamã do Congo vai-se embora. A única pessoa que se importa connosco e que nos trata bem.
- Não digas isso Tsama - disse eu- Todos nós vos tratamos bem, são os nossos feitios que são diferentes.
- Oh mamã, mas tu és a nossa Mamã! E agora? Vais deixar os teus filhos sozinhos? - disse ele em lágrimas.

Chorei, chorei muito. Era verdade. Ia-me embora e não os ia ver mais.
Já não ia voltar ao aeroporto todas as terças-feiras, a pedir viagens para quem ia de férias. Já não ia ligar para o aeroporto só para cumprimentar o Tsama e o chefe.

- Mon amie! não te esqueças de mim! - disse eu -Toma o meu número. Qualquer coisa liga-me.



Eu, o Tsama e o Mika
 Adeus Dolisie. Até sempre!
Adeus meus amigos, meus irmãos. Obrigada por tudo. Sem vocês a obra não estava como está e nós não estávamos cá a fazer nada.
Levo-vos a todos no coração.




Apanhei o avião e parti deixando para trás Dolisie. Estava feliz e desolada ao mesmo tempo. A vida tem destas coisas. E é quando nos pomos a prova que nos vamos conhecendo.
Se as coisas podiam ter sido diferentes? Podiam.
Se calhar se não chocasse tanto com o Davide e ele comigo, se calhar ainda la estava.
Se calhar se pudesse sair mais da obra e ir a Ponta Negra, como o pessoal da fiscalização fazia, tinha aguentado mais tempo...

Mas infelizmente o Português que vai para fora vai formatado para trabalhar e para mais nada. Isso resulta se formos a casa de 3 em 3 meses, 4 no máximo, ou se tivermos vida fora da obra. Agora quase sete meses? Sem sair da Obra....
Para mim não dá.
Desculpem-me.



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