domingo, 21 de junho de 2015

Mandigou

Com todos os stress da obra e com todos os problemas que surgem fui-me aproximando do Ebio, o mecânico, e o Vicente, fiscalização. Os dois são brasileiros e aqui na obra, não sei porque raio, há muita rivalidade entre portugueses e brasileiros.
Ora, com a minha aproximação aos brasileiros, o pessoal começou a não gostar muito. Temos pena, é para o lado que eu durmo melhor.
Num destes dias surgiu a ideia de se fazer uma feijoada ao estilo Brasileiro e eu alinhei. No entanto eu não gosto de carne por isso tínhamos que pensar em algo para eu comer.
Liguei ao Mika:

- Como é cara$#0!! Olha lá, aqui a je n'aime pas le viendre! - disse eu no meu "françoguês".
- Na te preocupes - disse ele - O Francois arranjou-me umas lulas de Angola que são top!
- Lulas!!! Oh tempo que não como lulas. Manda vir homme!

No Domingo de manhã saímos cedinho da obra. Deviam ser 7 horas em ponto quando entramos na carrinha. 
O dia estava fresquinho! Ideal para uma grande viagem. Mais uma vez fomo pela estrada dos chineses até Ludimã.

-Oh Sara! - disse o Ébio - O piorrr mesmo e dipois de ludimã! - disse ele como o sotaque de zuca nordestino :)
-Se preocupa não Ébio. - disse eu.
- Oh Ebio! - disse o Vicente - Sara já ta calejada do Congo. Não são essas estradas que a assustam não.



Não tivemos sorte! Os belos 100 km de autoestrada que se faziam normalmente estavam transformados em 35 km de estrada boa e quase 200km de terra batida.
A estrada dos chineses estava cortada com barreiras de pedras e montes de areia. Nas bermas estavam "improvisadas" entradas e saidas para o mato circundante.
- Oh Sara!!! A picada vai doer, hein? - disse o Ébio.
- Binho! - disse eu - Para não, segue. Em frente é que é caminho.




O nevoeiro que se levantava sempre que passávamos por camiões.
Bombas de Gasolina
E que caminho!!! Nunca saltei tanto dentro da carrinha. Por muito que o Ébio se tentasse desviar e evitar os buracos o caminho era difícil. Uma hora depois chegamos à base de vida de Ludimã e tivemos mesmo que parar.
O corpo estava moído e a carrinha a precisar de água. Se o caminho tinha sido mau até aqui, eu não conseguia imaginar o resto.

Ludi a Mascote de Ludimã



A viagem continuou. O pó no ar era tão denso que parecia que estávamos a atravessar o deserto. Por nós passaram camiões com contentores de obra, camiões dos chineses carregados de madeira, carrinhas com centenas de pessoas em cima... Tudo e mais alguma coisa.




A certa altura voltamos a apanhar um trecho de estrada boa. 

-Porquê que as estradas estão fechadas? - perguntei eu.
-Ai Sara! - disse o Vicente- Os Chineses têm um contrato com o governo Congolês. Eles constroem estradas e ficam com toda a madeira que encontrarem no caminho. Agora o problema é que as estradas tem 10 anos de garantia. 
-Por isso eles cortam a circulação a camiões e carrinhas... - concluí eu,
-Exacto!

Chegamos a Mandigou! A estrada dos chineses acabava num rotunda e a única estrada que nos permitia seguir caminho, cortava o monte à nossa esquerda, sempre a subir, pelo meio de pessoas e casas que começavam a sair à rua para ver a carrinha a passar.

- Mundelé (Branco)- gritava a população quando passavamos. Mundelé!!







Mandigou era, de todas as cidades do sul, uma das mais pobres. As estradas eram todas em terra batida, escavadas pelas chuvas e pelos camiões que por ali passavam. Em alguns troços de estrada, a nossa carrinha tinha mesmo de andar de lado, tal era a erosão da via.
As pessoas eram poucas, quando comparado com a cidade de Dolisie.
Também aqui o comercio era gerido pelos Mauritânios e Libaneses que tinham o radio sintonizado na estação do "al corão"! Sentados à porta das "lojas" lá estavam eles a rezar ou a pregar os seus produtos enquanto ouviam as rezas no rádio.

Chegamos à base de vida. Não tinha nada a ver com as bases de vida onde já tinha estado. Esta base era longe da obra e estava cheia de vegetação. Apesar de não estar tão organizada como a nossa, em Dolisie, tinha um ar mais de casa. Aqui havia uma pequeno ginásio, uma cabana de palhinha que servia de sala de convívio, uma churrasqueira...
O ambiente também era diferente. O pessoal estava todo bem disposto, brincavam uns com os outros,,,
Na cozinha já tinham começado as festividades. Grade de cerveja aberta, as carnes prontas a cortar, cebolinho, farofa.



- Ai gente! Já trouxe a mulher!- disse o Binho - Podem deixar com ela que ela faz a feijoada.
- E era! - disse eu - Ébio - Se queres comer bem é melhor deixar esses caras com as panelas! Eu faço a salada va!

Comecei a lavar a salada e, de repente, vejo algo a saltar-me para o braço. Olhei! 
-Olha que fofo! - disse eu- Uma rã!
- Caraca menina! - disse um dos "cozinheiros"- Cuidado com isso. Isso e venenoso!
- Ai é? - disse eu- E sacudi a rã para cima da mesa.

Olhei para o meu braço e não tinha nada. Que mal podia fazer este bicho. Não o ia Lamber nem nada que se parecesse.





E depois o animal era tão pequenino!!
Voltei a minha salada. Entretanto ouço um berro.
- Quê, quê isso ai? - disse alguém da base de vida.
- É uma rã - disse o Mica, já pronto para a Matar.

- Não vais matar o bicho, pois não? - perguntei eu.

Peguei num guardanapo, tentei apanhar a rã mas ela saltou-me para o chão.
No desespero de alguns dos homens que tinham "receio" da pobre criatura, acabei por empurrar o animal para a rua à vassourada.
- Desculpa pequenina! Mas antes à vassourada do que esmagada.






-Sara, vamos tratar das tuas lulas? - Chamou-me o Mica.
- Claro! Queres ajuda?





Enquanto o Mica ateava as brasas eu entretive-me a explorar a base de vida e a tirar fotografias.



Depois de duas longas horas a beber cervejas, a ajudar na cozinha  e a virar as lulas nas brasas, tínhamos finalmente almoço. E que almoço! As lulas estavam maravilhosas, ou então já não comia lulas à muito tempo. A feijoada estava apetecível, mas não a provei. Para os que se estão a perguntar de onde vinha a carne, foi trazida pelos brasileiros na viagem de férias.


Depois do almoço e para ajudar à digestão, fomos dar uma volta pela vila.
Saímos a pé, mas  rapidamente voltamos atrás para ir buscar a carrinha. O caminho estava demasiado enlameado para andarmos de havaianas a passear.

O hospital de Mandigou foi a nossa primeira paragem.


As condições eram terríveis, via-se pessoas à espera, sentadas nos degraus. Os azulejos, outrora brancos do hospital, estavam cobertos de terra. A cobertura, o telhado, ameaçava ruir a qualquer instante.
As enfermeiras tinham que se dividir entre o edifício principal e os anexos do hospital. Não consegui tirar fotos ao que estou a retratar porque, como já disse, os congoleses não gostam de fotos.



Por todo o lado se viam as cabrinhas que "pastavam" as ervas secas que rodeavam as casas.
A população era claramente muito pobre e não eram tão afáveis e simpáticos como em Dolisie.
A curiosidade por ver brancos eram muita, mas podia-se sentir, quase que medo, quando as crianças se aproximavam de nós.

Haviam 2 hotéis, nesta cidade. Hoteis esses que não passavam de casas maiores que tinham sido
adaptadas para hoteis. Não havia rio aqui perto, só um pequeno lago cheio de juncos e crocodilos, As lojas eram barracas de quatro chapas e um teto de palha.
As poucas casas estavam muito distanciadas umas das outras e depois, no meio do nada, nascia um palacete cercado com muros altos - a casa do Mayor da vila.

Às 17h horas estava na hora de voltar a Dolisie. E não éramos so nós. Havia muita gente que trabalhava em Ncair e mesmo em Dolisie, cidades vizinhas, que tinham vindo até Mandigou para passar o fim de semana e agora tinham de voltar a casa.Os meios de transporte eram os que estavam disponíveis. Camiões de animais, camiões de mercadorias,,, Tudo servia.


Até nós. Até a nossa carrinha serviu de transporte para este amigos que apanhamos na estrada dos chineses. Estes trabalhavam todos os dias da semana e todos os dias tinham de arranjar transporte para casa ou então andavam quilómetros e quilómetros.


Ce la vie ao Congo!

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