quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Spots de Brazaville


Todos os dias ia à base de vida, quanto mais não fosse para dizer um olá à minha Mimi.
Almoçava e jantava, quase sempre na base de vida. as excepções eram à quinta-feira, noite de "La Bodega" e pizzas e aos sábados quando íamos para a Rialto depois de jantar.

O Eric e a Louraine, os nossos cozinheiros, eram do melhor que podia haver. O Eric, depois de saber que eu não comia carne, todos os dias me preparava um prato diferente e ficava chateado, e com razão, quando eu não fazia as refeições na base e não o avisava. A Louraine era a nossa irmã congolesa, minha e da Mimi.

Ao Sábado à tarde, depois do trabalho, juntavamos-nos as 3 e íamos para o Poto-poto às compras. Coisas de gajas. Sim, o Poto-poto também vendia roupa, acessórios, sapatos... Todo um mundo de coisas "sexys" para três mulheres solteiras.

Por vezes, se fossemos ao Mami Watta, um dos melhores restaurantes de Brazaville, levava-mos a Louraine connosco. Como é obvio, eramos nós que pagava-mos porque uma refeição ali era uma semana de trabalho da pequena.Também o Pandi, o motorista da Mimi se juntava a nós nestas festas.

À quinta-feira à noite, por vezes, íamos todos ao La bodega. Quando digo todos digo o pessoal do escritório. O pessoal das obras ficava-se pela "mamam", um tasco à porta da obra.
O restaurante era uma pizzaria simpática, com aspecto de espelunca, mas que à quinta-feira se transformava numa dancetaria com musica ao vivo.

MamiWatta - Rio Congo e Kinshasa de fundo.



La Bodega




Ao sábado a nossa noite acabava sempre na melhor discoteca da cidade, ou a única +/- bem frequentada. Íamos lá tantas vezes que já conhecia-mos o DJ que no final da noite já sabia que tinha de passar Kizomba para nós. Na rialto já nos encontrava-mos todos os expatriados, escritório e obra. Ao sábado a noite não havia distinções, não havia stresses, só musica e muito "vinho".



Era neste sítio que nos encontrava-mos todos: Portugueses, Brasileiros, Israelitas, Marroquinos, Libaneses, Sírios, Mauritanos....
Era aqui que se faziam muitos contactos também. Devo dizer que grande parte dos subempreiteiros com quem trabalhei conhecia-os daqui.

Não nos julguem por falta de profissionalismo. Mas quando uma pessoa trabalha toda a semana e só tem um sítio para onde pode ir descontrair, é normal que estas coisas aconteçam. É uma forma de networking.






segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Poto Poto

A vida no Congo estava, claramente, muito mais simples agora.
De manhã saía de casa cedinho, parava na pastelaria em frente à torre Nbembe, na baixa de Brazaville, tomava um nespresso e comia um "chausson de pomme" e às 8h estava a abrir o escritório.
Obviamente que, onde andava eu andava o Fábio. Apesar de ele ser o meu chefe tínhamos uma relação fixe. Eu via-o quase como um irmão mais velho.

Ao nosso ritual matinal começaram-se a juntar o restante pessoal do escritório. A certa altura demos por nós e estávamos todos a tomar o pequeno almoço à mesma hora, desde o DG até ao contabilista. Só os expatriados podiam participar neste ritual visto que 500 francos, cerca de 1 euro, davam para a maior parte do pessoal do escritório, almoçar e jantar.

A vida corria-me bem. Tenho de admitir.
As 10h se houvesse RIM's para despachar, ou seja, material para comprar, lá ia eu ao mercado Poto-Poto, com o Fábio ou com o Rodhin. Não conseguia ir sozinha, tinha medo de me perder.

Na verdade o Poto-Poto era um bairro onde se concentravam a maior parte das "lojas" da cidade.

Marie do Poto-Poto e o bairro por trás
Encontrávamos de tudo. Tínhamos era que saber procurar.

Estava sempre cheio de pessoas e tínhamos que ter cuidado com os assaltos.

Até comida podíamos encontrar no Poto-Poto.
O peixe seco - o bacalhau Congoles


As famosas pilhas de colchões


 Enfim, se soubéssemos onde procurar, o Poto Poto era um mundo. Caso contrário, dava connosco em doidos.
Tenho que admitir que me custou a adaptar a tanta gente, tantas tendas com tantas coisas, tantos vendedores chatos a querer impingir o produto a todo custo....
Se não fosse o Rodhin, nem eu nem o Fábio conseguíamos fazer as compras que precisávamos.

Claro que foi uma questão de habituação. Passados uns tempos já conseguia encontrar o que queria. Ainda assim, ir sozinha para o meio do Poto Poto, não era a melhor coisa de sempre.
Muita gente concentrada, muita confusão... A probabilidade de "desaparecer" ali no meio era muita. E, por muito pacífica que tenha sido a minha estadia no Congo, não aconselho a confiarem de mais.
O assédio é imenso para todas as mulheres, então para as mulheres de pele mais clara....
O truque é fazer-nos de estúpidas e rir ou então dizer que não percebemos.

O problema é quando percebemos e temos o sangue quente. Uma altura estive quase para esbofetear um senhor que vendia lâmpadas porque começou a dizer ordinarices, em lingalá, e eu percebi algumas delas.
Mais uma vez, se não fosse o meu Rodinhas....

Lá para o meio do mês de Agosto o departamento de compras foi alargado a mais um membro. O Gil juntou-se à nossa equipa e à nossa casa. Mas não por muito tempo.

Um certo dia o nosso DG veio falar comigo para ver se queria mudar de funções. Aceitei logo. Ia finalmente voltar à obra.
A partir deste dia já não fazia mais compras. Agora era responsável pelo controlo de custos de todas as obras. Fixe!!!! Vamos conhecer as outras obras, pensei eu!


Nota; Nenhuma das fotos colocadas neste "post" são da minha autoria. Infelizmente tinha amor demais ao meu telefone. Os congoleses não gostam de fotos, ou melhor, não gostam de fotos ao ambiente o que é perfeitamente compreensível dadas as condições em que vivem.



sábado, 1 de agosto de 2015

O Rodinhas

Para quem passa seis meses isolada no meio da selva, Brazaville é quase que um retorno à Civilização.
Só o facto de não trabalhar e viver no mesmo sítio já era um novo mundo para mim.

A minha nova casa ficava fora da cidade, nos subúrbios de Mukundo. Todos os dias saía de casa às 6h para começar a trabalhar as 8h. O transito Congolês, em Brazaville e nos arredores, era desprovido de leis e civismo, ou melhor, as leis existiam, mas era quando os "Mundeles"/Brancos conduziam.

As filas eram intermináveis e a cedência de passagem, inexistente. As rotundas, os passeios, em hora de ponta, eram mais uma faixa de circulação. Mas acreditem, depois de seis meses de isolamento, até isto me fazia bem.

A minha nova casa, super luxuosa quando comparada com o contentor onde vivera. Era divida com mais duas pessoas: o Fábio, técnico de compras e o nosso Franco que, como andava sempre a ver as obras dos hospitais, raras vezes parava em casa.
Era uma casinha hospitaleira. Tinha uma suite só para mim, uma cama de casal e um guarda-vestidos. "Meu Deus! Um guarda vestidos e não um cacifo!".

Apesar de sermos 3 tínhamos apenas um carro, no inicio, por isso tínhamos de partilhar carro e os horários. O que era bastante complicado visto que um de nós era completamente "Workaholic".

No escritório conheci os meus novos companheiros de trabalho, os que ainda não conhecia pessoalmente: Pacheco, André, Kika, Rodhin, Gladice,Jean Batiste,  Armel e a pequena da recepção de quem nunca soube o nome. Isto é muito mau de admitir mas sempre que ela mo dizia eu não compreendia.

De todos o que eu menos gostava era o Rodhin. Sempre de cara fechada, sempre calado. Quando lhe pedia alguma coisa fazia aquele barulhinho irritante com a língua do tipo: "olha-me esta!". Todos os dias vinha atrasado, todos os dias pegava no carro e saía sem dizer nada a ninguém. Estava habituado assim.
 O Rodhin era o assessor do antigo director geral e, por isso, achava que tinha credito. E tinha! Mas é sempre bom conhecer a nova equipa quando as coisas mudam como mudaram.

À medida que os dias passavam comecei a pegar com ele:
-Rodhin, que roupa é essa? Vens trabalhar de pijama?! - e ria-me.
- Less mamam, less! - dizia o Rodhin de cara fechada (deixa-me!).
-Rodhinzinho.... Preciso de um favor teu! Podemos ir comprar aço? Tenho que ir aos Libaneses mas o meu francês não e dos melhores! - continuava eu.
- Ah mamam. J'ai besoin de sortir! - dizia ele como quem diz, Não me chateies. Não vou contigo a lado nenhum.
- Rodhin....

E era assim todos os dias. O Rodhin percebia português e por isso, por muito que fosse difícil lidar com ele, era uma mais valia.
Um dia, queria ir para casa mais cedo e pedi boleia ao Rodhin, que era nosso vizinho. Pegamos num dos jipes disponíveis e foi o Rodhin a conduzir. A conduzir como quem diz, a tentar não bater em nada nem ninguém.
Resumindo a história, num cruzamento a 600 metros do escritório, quase capotamos. A sorte é que os jipe era robusto e apesar de quase ter virado só tinha umas amolgadelas do lado do muro que o condutor quase subiu.

Ficamos os dois em pânico. Trocamos, eu assumi o lugar do condutor e 45 minutos depois estávamos em casa. O Rodhin estava em pânico.
-E agora? E agora? - dizia ele com as mãos na cabeças- É o carro do chef!
- Calma pah! Ajuda-me!

Fui buscar um martelo e comecei a bater a chapa, por dentro da guarda do pneu. Ao fim de algumas pancadas as amolgadelas quase nem se viam. Os seguranças, de casa, trouxeram óleo e passamos o carro todo para tentar tirar os riscos. Modéstia à parte, quase não se via nada. Quem não soubesse achava que estava tudo bem.
 -Merci Mamam! Meci! Não digas nada ao Fábio- disse-me ele todo aflito.
- Calma "Rodinhas" - disse eu - Eu não sei de nada, não vi nada!
- Ce Rodhin qui fait ça? - perguntou um dos seguranças muito admirado - Je pensé que etais vous mamam. (Foi o Rodhn que fez isto? Pensei que tinhas sido tu mamã).
- Tu pense que je ne savais pas conduire? - perguntei eu ao segurança, em tom de brincadeira.
- Non mamã, excusez - disse o guarda e voltou para a guarita.

Nessa noite, quando fui jantar à base de vida, levei o jipe e ninguém reparou em nada.

Na manhã seguinte o Rodhin tinha mudado completamente a atitude comigo. Agora sentia que podia confiar em mim. E podia!

Fiquei feliz. Tinha finalmente conquistado a pessoa mais difícil do escritório.
O papa Jean Batiste e o Kika já eram meus amigos. Para eles eu era como uma filha. Também eles estranharam a mudança de comportamento do Rodhin.

- Quesque tu ai fait- perguntava- me o Kika. (Que fizeste)
- Rien papá, nous aveions parlé - dizia eu (Nada, só falamos).

Uns dias mais tarde o Kika veio-me perguntar o que se tinha passado com o carro e eu assumi a culpa. Disse que me tinha distraído e que bati num muro. O Kika achou estranho mas não contou a ninguém.
No dia a seguir o Rodhin veio ter comigo e disse que podia contar com ele para qualquer coisa.

Desde então, sempre que preciso do meu "Rodinhas" ele vem e ajuda-me.










quarta-feira, 29 de julho de 2015

De Novo em Brazaville

A chegada a Brazaville era para mim o fim da minha experiência no Congo.
Tinha falhado, não conseguia mais ficar alí, estava cansada.



Cheguei a Brazaville por volta da 13h00. Apanhamos um taxi e fomos para a base de vida, ou já não nos soubéssemos desenrascar no Congo.
Na base de vida fomos recebidos por um sorriso de orelha a orelha de uma mulher com aspecto jovial e simpático. Afinal não era a única mulher branca a trabalhar na empresa, Ali estava mais uma.

- Olá meus amores! - cumprimentou ela com alguma euforia escondida na voz - Como estão? Como está Engenheira! - disse ela dirigindo-se agora para mim - Já tá melhorzinha?
- Sara - disse eu - Podes-me chamar de Sara - E sim, estou bem agora. Já mudei de ares!

Almoçamos os quatro. Os três que tinham vindo de Brazaville e ela. Conversamos como se já nos conhecesse-mos à anos.
Ela era a Mimi, uma rapariga da minha idade, que já tinha estado um boa temporada em Angola e que agora tinha ido para o Congo para ser Chefe de base de vida da nossa obra de Brazaville.

As 14h fui encaminhada para o escritório.
"Vou assinar a rescisão e vou-me embora" pensava eu.
-Sabes que as coisas mudaram por aqui não sabes? - dizia-me o motorista que eu tinha conhecido nos meus primeiros dias de Congo.
- Mudaram Pápá? Ce vrai? Para melhor? - perguntei eu.
- Sim mãmã. Para muito melhor!
- Espero bem que sim Papá! Vocês merecem!

Demora-mos quase 1hora a chegar ao escritório que era do outro lado da cidade. Brazaville aparecia agora, aos meus olhos, como um paraíso, um poço de civilização. Estradas, carros, trânsito.



Por outro lado a saudade do Congo começava ja a nascer. Vou deixar de ter este calor fantástico, vou deixar aqui os meus amigos, as pessoas que precisam de mim...

Cheguei ao escritório e vi o director geral a sair.
- Então não ia ter reunião com ele? - perguntei eu.
- Tem calma. Senta-te ali naquela secretária, toma um café, se quiseres, que nós já te chamamos - disse-me o Daniel. Um dos funcionários do escritório.

 Sentei-me, abri o monitor e vi a foto da minha afilhada. Que saudades eu tinha de Portugal. Liguei a minha Mãe.
- Mãe! Já estou em Brazaville. A correr bem Amanhã já tou aí. Vai-me buscar ao aeroporto que eu tenho a mala toda partida.
- Tem calma Sara - dizia a minha Mãe do outro lado- Nós estamos aqui para ti.
- Vou chegar a Portugal e vamos gastar todo o dinheiro que ganhei aqui em férias. Vocês querem ir aonde?
- Calma! Guarda o dinheiro que te pode fazer falta.

- Sara - Chamou--me o Daniel - Podes entrar.
- Mãe, já te ligo - disse eu e desliguei o telefone.

Entrei na sala de reuniões. La dentro estavam o Franco, o patrão, o chefe de recursos humanos, e duas pessoas que não conhecia.

-Sara -  apresentou o chefe de recursos humanos - este é o novo director geral da empresa e este é o responsável pelo departamento de compras, o Fábio. Temos uma proposta para te fazer.

Passei quase duas horas na reunião. Basicamente não me queriam deixar ir embora. Estava-se a fazer ajustes no organigrama da empresa e tinha aberto uma vaga para as compras. Como eu já tinha experiência perguntaram-me se queria fazer parte desta nova equipa.

- Não vou embora! - disse eu visivelmente emocionada.
- Se quiseres vais agora duas semanas de férias e quando voltares adoptas estas novas funções - disse o patrão.
- Não, não. Eu fico. Prefiro ir de férias em Setembro. Mas onde é que eu vou morar?
- Nesta fase ficas na casa do pessoal do escritório e depois vamos ter de arranjar uma casa para vocês.

Saí do escritórios aos pulos. Ia ficar, ia ficar!!!!!
E melhor de tudo, ia ficar em Brazaville! Havia coisa melhor?

Liguei a minha mãe e disse-lhe que já não voltava a Portugal. Só em Setembro!!
- Se é isso que queres, força!- disse a minha Mãe do outro lado.

Cheguei cá fora e vi o sorriso da Miriam.
-Vou ficar Miriam, vou ficar!!!
- Boa, vamos jantar fora hoje?

E fomos. Mami watta (sereia em Lingalá) era o nome do restaurante. Nessa noite fomos quase todos jantar fora. Era o ínicio de um novo ciclo para mim.




Este restaurante à beira rio, tinha uma vista fantástica sobre Kinshasa, a capital da Republica Democrática do Congo. Estas são as duas capitais mais próximas do mundo, com 1.5 km de rio a dividi-las.








quarta-feira, 24 de junho de 2015

A despedida de Dolisie

Por muito que me custe admitir, e por muito que eu adore o Congo, ao fim de seis meses a minha cabeça estava a explodir.
O clima tenso do País tinha-nos limitado as saídas. Os trabalhadores, com medo da rebelião que se aproximava, começaram a ficar mais agressivos e menos trabalhadores.
A logistica de entrega dos materiais estava a falhar, o trabalho disponível não era muito e o que havia estavam todas as obras a fazer sendo que o equipamento não chegava para todos.
Stress atrás de stress. 
No meio de tudo isto ainda houve um choque entre mim e o meu colega, que já estávamos fartos um dos outro.

Engoli o meu orgulho e liguei para Brazaville:

- Por favor, tirem-me daqui. Não consigo mais, não aguento, não dá.

As minhas férias ainda estava longe, estavam previstas só para Setembro e estávamos em Junho.

- Sara, não a podemos tirar assim. Temos que ver alguém para a substituir - disseram dos recursos humanos, e com razão.

Esperei e desesperei. O meu único escape à obra eram o indianos do Regal, um supermercado de Dolisie, que me vinham buscar depois do trabalho para ir beber uma coca-cola ao café do Ali, Libanês.
Tinha três amigos fora da obra que me ajudavam a superar algum do stress mas ainda assim não era suficiente.

Quando finalmente me ligaram, um mês depois, fui a correr comprar o bilhete para Brazaville. Para o dia em que ia já só havia bilhetes de primeira classe.

- Daniel, só há primeira classe. Posso comprar? - perguntei eu.
- É muito mais caro?- ouvi do outro lado.
- Não, são mais 4000fcfa. (8 euros).
- Ok, compra dois. Uma para ti e outro para o Mika que vai de férias.
- Certo! - disse eu a suspirar de alívio.

Cheguei à obra em euforia.

 - Mama, já não te via assim à muito tempo! - disse o segurança no portão da obra.
- Vou-me embora!! - disse eu.
- E quando vens de férias? - perguntou ele a sorrir.
- Não volto - disse eu.

O sorriso dele fechou-se e caiu-me a ficha. Nunca mais volto. Nunca mais os vou ver. E as roupas que eu disse que lhes dava, e as cervejas que eles me estavam a dever.
Fiquei assim, neste dilema.

O dia da viagem chegou e mesmo antes de partir, a maior parte dos meus trabalhadores fez questão de se vir despedir de mim, e eu deles.


As minhas mamãs - Martine, esquerda, Raissa e Pangou, à direita.

O Makela, o manobrador também se veio despedir da mamã.

O Youmbi, o motorista, e o grupo de pichelaria.


Mampassi, Mbani, Bamsimba e o Youmbi



Todos os picheleiros

Os cozinheiros e o meu motorista Makita.
Sai da obra na carrinha, com os olhos em lágrimas. Os trabalhadores portugueses: O Carvalho, o Angelo, o Tony e outros tantos despediram-se de mim pela manhã, antes de irem para o trabalho. Não quis passar na obra, sabia que me ia custar.
Estava a deixar para trás tudo aquilo que sempre quisera. Tudo pelo que tinha lutado.
Mas já não conseguia mais. Os 8 meses que me pediram para fazer seguidos pareciam impossíveis.

Cheguei ao aeroporto e fui recebida pelo Tsama e pelo chefe do aeroporto. Todos me vieram cumprimentar.


- A mamã do Congo vai-se embora. A única pessoa que se importa connosco e que nos trata bem.
- Não digas isso Tsama - disse eu- Todos nós vos tratamos bem, são os nossos feitios que são diferentes.
- Oh mamã, mas tu és a nossa Mamã! E agora? Vais deixar os teus filhos sozinhos? - disse ele em lágrimas.

Chorei, chorei muito. Era verdade. Ia-me embora e não os ia ver mais.
Já não ia voltar ao aeroporto todas as terças-feiras, a pedir viagens para quem ia de férias. Já não ia ligar para o aeroporto só para cumprimentar o Tsama e o chefe.

- Mon amie! não te esqueças de mim! - disse eu -Toma o meu número. Qualquer coisa liga-me.



Eu, o Tsama e o Mika
 Adeus Dolisie. Até sempre!
Adeus meus amigos, meus irmãos. Obrigada por tudo. Sem vocês a obra não estava como está e nós não estávamos cá a fazer nada.
Levo-vos a todos no coração.




Apanhei o avião e parti deixando para trás Dolisie. Estava feliz e desolada ao mesmo tempo. A vida tem destas coisas. E é quando nos pomos a prova que nos vamos conhecendo.
Se as coisas podiam ter sido diferentes? Podiam.
Se calhar se não chocasse tanto com o Davide e ele comigo, se calhar ainda la estava.
Se calhar se pudesse sair mais da obra e ir a Ponta Negra, como o pessoal da fiscalização fazia, tinha aguentado mais tempo...

Mas infelizmente o Português que vai para fora vai formatado para trabalhar e para mais nada. Isso resulta se formos a casa de 3 em 3 meses, 4 no máximo, ou se tivermos vida fora da obra. Agora quase sete meses? Sem sair da Obra....
Para mim não dá.
Desculpem-me.



domingo, 21 de junho de 2015

Mandigou

Com todos os stress da obra e com todos os problemas que surgem fui-me aproximando do Ebio, o mecânico, e o Vicente, fiscalização. Os dois são brasileiros e aqui na obra, não sei porque raio, há muita rivalidade entre portugueses e brasileiros.
Ora, com a minha aproximação aos brasileiros, o pessoal começou a não gostar muito. Temos pena, é para o lado que eu durmo melhor.
Num destes dias surgiu a ideia de se fazer uma feijoada ao estilo Brasileiro e eu alinhei. No entanto eu não gosto de carne por isso tínhamos que pensar em algo para eu comer.
Liguei ao Mika:

- Como é cara$#0!! Olha lá, aqui a je n'aime pas le viendre! - disse eu no meu "françoguês".
- Na te preocupes - disse ele - O Francois arranjou-me umas lulas de Angola que são top!
- Lulas!!! Oh tempo que não como lulas. Manda vir homme!

No Domingo de manhã saímos cedinho da obra. Deviam ser 7 horas em ponto quando entramos na carrinha. 
O dia estava fresquinho! Ideal para uma grande viagem. Mais uma vez fomo pela estrada dos chineses até Ludimã.

-Oh Sara! - disse o Ébio - O piorrr mesmo e dipois de ludimã! - disse ele como o sotaque de zuca nordestino :)
-Se preocupa não Ébio. - disse eu.
- Oh Ebio! - disse o Vicente - Sara já ta calejada do Congo. Não são essas estradas que a assustam não.



Não tivemos sorte! Os belos 100 km de autoestrada que se faziam normalmente estavam transformados em 35 km de estrada boa e quase 200km de terra batida.
A estrada dos chineses estava cortada com barreiras de pedras e montes de areia. Nas bermas estavam "improvisadas" entradas e saidas para o mato circundante.
- Oh Sara!!! A picada vai doer, hein? - disse o Ébio.
- Binho! - disse eu - Para não, segue. Em frente é que é caminho.




O nevoeiro que se levantava sempre que passávamos por camiões.
Bombas de Gasolina
E que caminho!!! Nunca saltei tanto dentro da carrinha. Por muito que o Ébio se tentasse desviar e evitar os buracos o caminho era difícil. Uma hora depois chegamos à base de vida de Ludimã e tivemos mesmo que parar.
O corpo estava moído e a carrinha a precisar de água. Se o caminho tinha sido mau até aqui, eu não conseguia imaginar o resto.

Ludi a Mascote de Ludimã



A viagem continuou. O pó no ar era tão denso que parecia que estávamos a atravessar o deserto. Por nós passaram camiões com contentores de obra, camiões dos chineses carregados de madeira, carrinhas com centenas de pessoas em cima... Tudo e mais alguma coisa.




A certa altura voltamos a apanhar um trecho de estrada boa. 

-Porquê que as estradas estão fechadas? - perguntei eu.
-Ai Sara! - disse o Vicente- Os Chineses têm um contrato com o governo Congolês. Eles constroem estradas e ficam com toda a madeira que encontrarem no caminho. Agora o problema é que as estradas tem 10 anos de garantia. 
-Por isso eles cortam a circulação a camiões e carrinhas... - concluí eu,
-Exacto!

Chegamos a Mandigou! A estrada dos chineses acabava num rotunda e a única estrada que nos permitia seguir caminho, cortava o monte à nossa esquerda, sempre a subir, pelo meio de pessoas e casas que começavam a sair à rua para ver a carrinha a passar.

- Mundelé (Branco)- gritava a população quando passavamos. Mundelé!!







Mandigou era, de todas as cidades do sul, uma das mais pobres. As estradas eram todas em terra batida, escavadas pelas chuvas e pelos camiões que por ali passavam. Em alguns troços de estrada, a nossa carrinha tinha mesmo de andar de lado, tal era a erosão da via.
As pessoas eram poucas, quando comparado com a cidade de Dolisie.
Também aqui o comercio era gerido pelos Mauritânios e Libaneses que tinham o radio sintonizado na estação do "al corão"! Sentados à porta das "lojas" lá estavam eles a rezar ou a pregar os seus produtos enquanto ouviam as rezas no rádio.

Chegamos à base de vida. Não tinha nada a ver com as bases de vida onde já tinha estado. Esta base era longe da obra e estava cheia de vegetação. Apesar de não estar tão organizada como a nossa, em Dolisie, tinha um ar mais de casa. Aqui havia uma pequeno ginásio, uma cabana de palhinha que servia de sala de convívio, uma churrasqueira...
O ambiente também era diferente. O pessoal estava todo bem disposto, brincavam uns com os outros,,,
Na cozinha já tinham começado as festividades. Grade de cerveja aberta, as carnes prontas a cortar, cebolinho, farofa.



- Ai gente! Já trouxe a mulher!- disse o Binho - Podem deixar com ela que ela faz a feijoada.
- E era! - disse eu - Ébio - Se queres comer bem é melhor deixar esses caras com as panelas! Eu faço a salada va!

Comecei a lavar a salada e, de repente, vejo algo a saltar-me para o braço. Olhei! 
-Olha que fofo! - disse eu- Uma rã!
- Caraca menina! - disse um dos "cozinheiros"- Cuidado com isso. Isso e venenoso!
- Ai é? - disse eu- E sacudi a rã para cima da mesa.

Olhei para o meu braço e não tinha nada. Que mal podia fazer este bicho. Não o ia Lamber nem nada que se parecesse.





E depois o animal era tão pequenino!!
Voltei a minha salada. Entretanto ouço um berro.
- Quê, quê isso ai? - disse alguém da base de vida.
- É uma rã - disse o Mica, já pronto para a Matar.

- Não vais matar o bicho, pois não? - perguntei eu.

Peguei num guardanapo, tentei apanhar a rã mas ela saltou-me para o chão.
No desespero de alguns dos homens que tinham "receio" da pobre criatura, acabei por empurrar o animal para a rua à vassourada.
- Desculpa pequenina! Mas antes à vassourada do que esmagada.






-Sara, vamos tratar das tuas lulas? - Chamou-me o Mica.
- Claro! Queres ajuda?





Enquanto o Mica ateava as brasas eu entretive-me a explorar a base de vida e a tirar fotografias.



Depois de duas longas horas a beber cervejas, a ajudar na cozinha  e a virar as lulas nas brasas, tínhamos finalmente almoço. E que almoço! As lulas estavam maravilhosas, ou então já não comia lulas à muito tempo. A feijoada estava apetecível, mas não a provei. Para os que se estão a perguntar de onde vinha a carne, foi trazida pelos brasileiros na viagem de férias.


Depois do almoço e para ajudar à digestão, fomos dar uma volta pela vila.
Saímos a pé, mas  rapidamente voltamos atrás para ir buscar a carrinha. O caminho estava demasiado enlameado para andarmos de havaianas a passear.

O hospital de Mandigou foi a nossa primeira paragem.


As condições eram terríveis, via-se pessoas à espera, sentadas nos degraus. Os azulejos, outrora brancos do hospital, estavam cobertos de terra. A cobertura, o telhado, ameaçava ruir a qualquer instante.
As enfermeiras tinham que se dividir entre o edifício principal e os anexos do hospital. Não consegui tirar fotos ao que estou a retratar porque, como já disse, os congoleses não gostam de fotos.



Por todo o lado se viam as cabrinhas que "pastavam" as ervas secas que rodeavam as casas.
A população era claramente muito pobre e não eram tão afáveis e simpáticos como em Dolisie.
A curiosidade por ver brancos eram muita, mas podia-se sentir, quase que medo, quando as crianças se aproximavam de nós.

Haviam 2 hotéis, nesta cidade. Hoteis esses que não passavam de casas maiores que tinham sido
adaptadas para hoteis. Não havia rio aqui perto, só um pequeno lago cheio de juncos e crocodilos, As lojas eram barracas de quatro chapas e um teto de palha.
As poucas casas estavam muito distanciadas umas das outras e depois, no meio do nada, nascia um palacete cercado com muros altos - a casa do Mayor da vila.

Às 17h horas estava na hora de voltar a Dolisie. E não éramos so nós. Havia muita gente que trabalhava em Ncair e mesmo em Dolisie, cidades vizinhas, que tinham vindo até Mandigou para passar o fim de semana e agora tinham de voltar a casa.Os meios de transporte eram os que estavam disponíveis. Camiões de animais, camiões de mercadorias,,, Tudo servia.


Até nós. Até a nossa carrinha serviu de transporte para este amigos que apanhamos na estrada dos chineses. Estes trabalhavam todos os dias da semana e todos os dias tinham de arranjar transporte para casa ou então andavam quilómetros e quilómetros.


Ce la vie ao Congo!