sábado, 1 de agosto de 2015

O Rodinhas

Para quem passa seis meses isolada no meio da selva, Brazaville é quase que um retorno à Civilização.
Só o facto de não trabalhar e viver no mesmo sítio já era um novo mundo para mim.

A minha nova casa ficava fora da cidade, nos subúrbios de Mukundo. Todos os dias saía de casa às 6h para começar a trabalhar as 8h. O transito Congolês, em Brazaville e nos arredores, era desprovido de leis e civismo, ou melhor, as leis existiam, mas era quando os "Mundeles"/Brancos conduziam.

As filas eram intermináveis e a cedência de passagem, inexistente. As rotundas, os passeios, em hora de ponta, eram mais uma faixa de circulação. Mas acreditem, depois de seis meses de isolamento, até isto me fazia bem.

A minha nova casa, super luxuosa quando comparada com o contentor onde vivera. Era divida com mais duas pessoas: o Fábio, técnico de compras e o nosso Franco que, como andava sempre a ver as obras dos hospitais, raras vezes parava em casa.
Era uma casinha hospitaleira. Tinha uma suite só para mim, uma cama de casal e um guarda-vestidos. "Meu Deus! Um guarda vestidos e não um cacifo!".

Apesar de sermos 3 tínhamos apenas um carro, no inicio, por isso tínhamos de partilhar carro e os horários. O que era bastante complicado visto que um de nós era completamente "Workaholic".

No escritório conheci os meus novos companheiros de trabalho, os que ainda não conhecia pessoalmente: Pacheco, André, Kika, Rodhin, Gladice,Jean Batiste,  Armel e a pequena da recepção de quem nunca soube o nome. Isto é muito mau de admitir mas sempre que ela mo dizia eu não compreendia.

De todos o que eu menos gostava era o Rodhin. Sempre de cara fechada, sempre calado. Quando lhe pedia alguma coisa fazia aquele barulhinho irritante com a língua do tipo: "olha-me esta!". Todos os dias vinha atrasado, todos os dias pegava no carro e saía sem dizer nada a ninguém. Estava habituado assim.
 O Rodhin era o assessor do antigo director geral e, por isso, achava que tinha credito. E tinha! Mas é sempre bom conhecer a nova equipa quando as coisas mudam como mudaram.

À medida que os dias passavam comecei a pegar com ele:
-Rodhin, que roupa é essa? Vens trabalhar de pijama?! - e ria-me.
- Less mamam, less! - dizia o Rodhin de cara fechada (deixa-me!).
-Rodhinzinho.... Preciso de um favor teu! Podemos ir comprar aço? Tenho que ir aos Libaneses mas o meu francês não e dos melhores! - continuava eu.
- Ah mamam. J'ai besoin de sortir! - dizia ele como quem diz, Não me chateies. Não vou contigo a lado nenhum.
- Rodhin....

E era assim todos os dias. O Rodhin percebia português e por isso, por muito que fosse difícil lidar com ele, era uma mais valia.
Um dia, queria ir para casa mais cedo e pedi boleia ao Rodhin, que era nosso vizinho. Pegamos num dos jipes disponíveis e foi o Rodhin a conduzir. A conduzir como quem diz, a tentar não bater em nada nem ninguém.
Resumindo a história, num cruzamento a 600 metros do escritório, quase capotamos. A sorte é que os jipe era robusto e apesar de quase ter virado só tinha umas amolgadelas do lado do muro que o condutor quase subiu.

Ficamos os dois em pânico. Trocamos, eu assumi o lugar do condutor e 45 minutos depois estávamos em casa. O Rodhin estava em pânico.
-E agora? E agora? - dizia ele com as mãos na cabeças- É o carro do chef!
- Calma pah! Ajuda-me!

Fui buscar um martelo e comecei a bater a chapa, por dentro da guarda do pneu. Ao fim de algumas pancadas as amolgadelas quase nem se viam. Os seguranças, de casa, trouxeram óleo e passamos o carro todo para tentar tirar os riscos. Modéstia à parte, quase não se via nada. Quem não soubesse achava que estava tudo bem.
 -Merci Mamam! Meci! Não digas nada ao Fábio- disse-me ele todo aflito.
- Calma "Rodinhas" - disse eu - Eu não sei de nada, não vi nada!
- Ce Rodhin qui fait ça? - perguntou um dos seguranças muito admirado - Je pensé que etais vous mamam. (Foi o Rodhn que fez isto? Pensei que tinhas sido tu mamã).
- Tu pense que je ne savais pas conduire? - perguntei eu ao segurança, em tom de brincadeira.
- Non mamã, excusez - disse o guarda e voltou para a guarita.

Nessa noite, quando fui jantar à base de vida, levei o jipe e ninguém reparou em nada.

Na manhã seguinte o Rodhin tinha mudado completamente a atitude comigo. Agora sentia que podia confiar em mim. E podia!

Fiquei feliz. Tinha finalmente conquistado a pessoa mais difícil do escritório.
O papa Jean Batiste e o Kika já eram meus amigos. Para eles eu era como uma filha. Também eles estranharam a mudança de comportamento do Rodhin.

- Quesque tu ai fait- perguntava- me o Kika. (Que fizeste)
- Rien papá, nous aveions parlé - dizia eu (Nada, só falamos).

Uns dias mais tarde o Kika veio-me perguntar o que se tinha passado com o carro e eu assumi a culpa. Disse que me tinha distraído e que bati num muro. O Kika achou estranho mas não contou a ninguém.
No dia a seguir o Rodhin veio ter comigo e disse que podia contar com ele para qualquer coisa.

Desde então, sempre que preciso do meu "Rodinhas" ele vem e ajuda-me.










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