quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Spots de Brazaville


Todos os dias ia à base de vida, quanto mais não fosse para dizer um olá à minha Mimi.
Almoçava e jantava, quase sempre na base de vida. as excepções eram à quinta-feira, noite de "La Bodega" e pizzas e aos sábados quando íamos para a Rialto depois de jantar.

O Eric e a Louraine, os nossos cozinheiros, eram do melhor que podia haver. O Eric, depois de saber que eu não comia carne, todos os dias me preparava um prato diferente e ficava chateado, e com razão, quando eu não fazia as refeições na base e não o avisava. A Louraine era a nossa irmã congolesa, minha e da Mimi.

Ao Sábado à tarde, depois do trabalho, juntavamos-nos as 3 e íamos para o Poto-poto às compras. Coisas de gajas. Sim, o Poto-poto também vendia roupa, acessórios, sapatos... Todo um mundo de coisas "sexys" para três mulheres solteiras.

Por vezes, se fossemos ao Mami Watta, um dos melhores restaurantes de Brazaville, levava-mos a Louraine connosco. Como é obvio, eramos nós que pagava-mos porque uma refeição ali era uma semana de trabalho da pequena.Também o Pandi, o motorista da Mimi se juntava a nós nestas festas.

À quinta-feira à noite, por vezes, íamos todos ao La bodega. Quando digo todos digo o pessoal do escritório. O pessoal das obras ficava-se pela "mamam", um tasco à porta da obra.
O restaurante era uma pizzaria simpática, com aspecto de espelunca, mas que à quinta-feira se transformava numa dancetaria com musica ao vivo.

MamiWatta - Rio Congo e Kinshasa de fundo.



La Bodega




Ao sábado a nossa noite acabava sempre na melhor discoteca da cidade, ou a única +/- bem frequentada. Íamos lá tantas vezes que já conhecia-mos o DJ que no final da noite já sabia que tinha de passar Kizomba para nós. Na rialto já nos encontrava-mos todos os expatriados, escritório e obra. Ao sábado a noite não havia distinções, não havia stresses, só musica e muito "vinho".



Era neste sítio que nos encontrava-mos todos: Portugueses, Brasileiros, Israelitas, Marroquinos, Libaneses, Sírios, Mauritanos....
Era aqui que se faziam muitos contactos também. Devo dizer que grande parte dos subempreiteiros com quem trabalhei conhecia-os daqui.

Não nos julguem por falta de profissionalismo. Mas quando uma pessoa trabalha toda a semana e só tem um sítio para onde pode ir descontrair, é normal que estas coisas aconteçam. É uma forma de networking.






segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Poto Poto

A vida no Congo estava, claramente, muito mais simples agora.
De manhã saía de casa cedinho, parava na pastelaria em frente à torre Nbembe, na baixa de Brazaville, tomava um nespresso e comia um "chausson de pomme" e às 8h estava a abrir o escritório.
Obviamente que, onde andava eu andava o Fábio. Apesar de ele ser o meu chefe tínhamos uma relação fixe. Eu via-o quase como um irmão mais velho.

Ao nosso ritual matinal começaram-se a juntar o restante pessoal do escritório. A certa altura demos por nós e estávamos todos a tomar o pequeno almoço à mesma hora, desde o DG até ao contabilista. Só os expatriados podiam participar neste ritual visto que 500 francos, cerca de 1 euro, davam para a maior parte do pessoal do escritório, almoçar e jantar.

A vida corria-me bem. Tenho de admitir.
As 10h se houvesse RIM's para despachar, ou seja, material para comprar, lá ia eu ao mercado Poto-Poto, com o Fábio ou com o Rodhin. Não conseguia ir sozinha, tinha medo de me perder.

Na verdade o Poto-Poto era um bairro onde se concentravam a maior parte das "lojas" da cidade.

Marie do Poto-Poto e o bairro por trás
Encontrávamos de tudo. Tínhamos era que saber procurar.

Estava sempre cheio de pessoas e tínhamos que ter cuidado com os assaltos.

Até comida podíamos encontrar no Poto-Poto.
O peixe seco - o bacalhau Congoles


As famosas pilhas de colchões


 Enfim, se soubéssemos onde procurar, o Poto Poto era um mundo. Caso contrário, dava connosco em doidos.
Tenho que admitir que me custou a adaptar a tanta gente, tantas tendas com tantas coisas, tantos vendedores chatos a querer impingir o produto a todo custo....
Se não fosse o Rodhin, nem eu nem o Fábio conseguíamos fazer as compras que precisávamos.

Claro que foi uma questão de habituação. Passados uns tempos já conseguia encontrar o que queria. Ainda assim, ir sozinha para o meio do Poto Poto, não era a melhor coisa de sempre.
Muita gente concentrada, muita confusão... A probabilidade de "desaparecer" ali no meio era muita. E, por muito pacífica que tenha sido a minha estadia no Congo, não aconselho a confiarem de mais.
O assédio é imenso para todas as mulheres, então para as mulheres de pele mais clara....
O truque é fazer-nos de estúpidas e rir ou então dizer que não percebemos.

O problema é quando percebemos e temos o sangue quente. Uma altura estive quase para esbofetear um senhor que vendia lâmpadas porque começou a dizer ordinarices, em lingalá, e eu percebi algumas delas.
Mais uma vez, se não fosse o meu Rodinhas....

Lá para o meio do mês de Agosto o departamento de compras foi alargado a mais um membro. O Gil juntou-se à nossa equipa e à nossa casa. Mas não por muito tempo.

Um certo dia o nosso DG veio falar comigo para ver se queria mudar de funções. Aceitei logo. Ia finalmente voltar à obra.
A partir deste dia já não fazia mais compras. Agora era responsável pelo controlo de custos de todas as obras. Fixe!!!! Vamos conhecer as outras obras, pensei eu!


Nota; Nenhuma das fotos colocadas neste "post" são da minha autoria. Infelizmente tinha amor demais ao meu telefone. Os congoleses não gostam de fotos, ou melhor, não gostam de fotos ao ambiente o que é perfeitamente compreensível dadas as condições em que vivem.



sábado, 1 de agosto de 2015

O Rodinhas

Para quem passa seis meses isolada no meio da selva, Brazaville é quase que um retorno à Civilização.
Só o facto de não trabalhar e viver no mesmo sítio já era um novo mundo para mim.

A minha nova casa ficava fora da cidade, nos subúrbios de Mukundo. Todos os dias saía de casa às 6h para começar a trabalhar as 8h. O transito Congolês, em Brazaville e nos arredores, era desprovido de leis e civismo, ou melhor, as leis existiam, mas era quando os "Mundeles"/Brancos conduziam.

As filas eram intermináveis e a cedência de passagem, inexistente. As rotundas, os passeios, em hora de ponta, eram mais uma faixa de circulação. Mas acreditem, depois de seis meses de isolamento, até isto me fazia bem.

A minha nova casa, super luxuosa quando comparada com o contentor onde vivera. Era divida com mais duas pessoas: o Fábio, técnico de compras e o nosso Franco que, como andava sempre a ver as obras dos hospitais, raras vezes parava em casa.
Era uma casinha hospitaleira. Tinha uma suite só para mim, uma cama de casal e um guarda-vestidos. "Meu Deus! Um guarda vestidos e não um cacifo!".

Apesar de sermos 3 tínhamos apenas um carro, no inicio, por isso tínhamos de partilhar carro e os horários. O que era bastante complicado visto que um de nós era completamente "Workaholic".

No escritório conheci os meus novos companheiros de trabalho, os que ainda não conhecia pessoalmente: Pacheco, André, Kika, Rodhin, Gladice,Jean Batiste,  Armel e a pequena da recepção de quem nunca soube o nome. Isto é muito mau de admitir mas sempre que ela mo dizia eu não compreendia.

De todos o que eu menos gostava era o Rodhin. Sempre de cara fechada, sempre calado. Quando lhe pedia alguma coisa fazia aquele barulhinho irritante com a língua do tipo: "olha-me esta!". Todos os dias vinha atrasado, todos os dias pegava no carro e saía sem dizer nada a ninguém. Estava habituado assim.
 O Rodhin era o assessor do antigo director geral e, por isso, achava que tinha credito. E tinha! Mas é sempre bom conhecer a nova equipa quando as coisas mudam como mudaram.

À medida que os dias passavam comecei a pegar com ele:
-Rodhin, que roupa é essa? Vens trabalhar de pijama?! - e ria-me.
- Less mamam, less! - dizia o Rodhin de cara fechada (deixa-me!).
-Rodhinzinho.... Preciso de um favor teu! Podemos ir comprar aço? Tenho que ir aos Libaneses mas o meu francês não e dos melhores! - continuava eu.
- Ah mamam. J'ai besoin de sortir! - dizia ele como quem diz, Não me chateies. Não vou contigo a lado nenhum.
- Rodhin....

E era assim todos os dias. O Rodhin percebia português e por isso, por muito que fosse difícil lidar com ele, era uma mais valia.
Um dia, queria ir para casa mais cedo e pedi boleia ao Rodhin, que era nosso vizinho. Pegamos num dos jipes disponíveis e foi o Rodhin a conduzir. A conduzir como quem diz, a tentar não bater em nada nem ninguém.
Resumindo a história, num cruzamento a 600 metros do escritório, quase capotamos. A sorte é que os jipe era robusto e apesar de quase ter virado só tinha umas amolgadelas do lado do muro que o condutor quase subiu.

Ficamos os dois em pânico. Trocamos, eu assumi o lugar do condutor e 45 minutos depois estávamos em casa. O Rodhin estava em pânico.
-E agora? E agora? - dizia ele com as mãos na cabeças- É o carro do chef!
- Calma pah! Ajuda-me!

Fui buscar um martelo e comecei a bater a chapa, por dentro da guarda do pneu. Ao fim de algumas pancadas as amolgadelas quase nem se viam. Os seguranças, de casa, trouxeram óleo e passamos o carro todo para tentar tirar os riscos. Modéstia à parte, quase não se via nada. Quem não soubesse achava que estava tudo bem.
 -Merci Mamam! Meci! Não digas nada ao Fábio- disse-me ele todo aflito.
- Calma "Rodinhas" - disse eu - Eu não sei de nada, não vi nada!
- Ce Rodhin qui fait ça? - perguntou um dos seguranças muito admirado - Je pensé que etais vous mamam. (Foi o Rodhn que fez isto? Pensei que tinhas sido tu mamã).
- Tu pense que je ne savais pas conduire? - perguntei eu ao segurança, em tom de brincadeira.
- Non mamã, excusez - disse o guarda e voltou para a guarita.

Nessa noite, quando fui jantar à base de vida, levei o jipe e ninguém reparou em nada.

Na manhã seguinte o Rodhin tinha mudado completamente a atitude comigo. Agora sentia que podia confiar em mim. E podia!

Fiquei feliz. Tinha finalmente conquistado a pessoa mais difícil do escritório.
O papa Jean Batiste e o Kika já eram meus amigos. Para eles eu era como uma filha. Também eles estranharam a mudança de comportamento do Rodhin.

- Quesque tu ai fait- perguntava- me o Kika. (Que fizeste)
- Rien papá, nous aveions parlé - dizia eu (Nada, só falamos).

Uns dias mais tarde o Kika veio-me perguntar o que se tinha passado com o carro e eu assumi a culpa. Disse que me tinha distraído e que bati num muro. O Kika achou estranho mas não contou a ninguém.
No dia a seguir o Rodhin veio ter comigo e disse que podia contar com ele para qualquer coisa.

Desde então, sempre que preciso do meu "Rodinhas" ele vem e ajuda-me.